17 julho, 2024

Da perfomance da área jurídica e o apagamento da personalidade humana



Caro leitor,  isso que escrevo acho que é mais uma carta aberta ou talvez um desabafo, entenda como quiser.

     Durante algum tempo, venho pensando sobre o meu papel dentro da carreira jurídica e, a cada dia que passa, sinto que essa área não me pertence. Sabe aquela sensação de que você está em um local que não é apropriado e que não condiz com sua realidade? Bom, é isso o que eu sinto.

     Ao olhar para o campo jurídico, refletir e questionar tantas coisas que ele produz e perpetua, ainda é o desejo de não querer estar perto. Sinto que essa área é um espaço que propaga a desigualdade, que não representa a população brasileira, um espaço de disputa de ego, individualidade e arrogância.

     Ao analisar essa área, sinto que ela molda o ser humano ou quem está nela; ou melhor, ela poda (no sentido de cortar mesmo), pois essa área não foi projetada para corpos iguais ao meu ou semelhantes. Esse podar está no sentido da forma que as pessoas se vestem (uma vestimenta de origem europeia que não condiz com o clima do Brasil), poda ainda na forma de falar (apagando as variações linguísticas de uma nação que teve influências de vários dialetos e exige uma linguagem que nem brasileira é, de forma erudita e rebuscada) e poda ainda na forma de se comportar (já que essa carreira foi projetada, elaborada ou criada - entenda como quiser - para um tipo de corpo específico, o padrão que a sociedade “normalizou” e que todos nós conhecemos, vulgo branco, cis e heteronormativo).

     Além disso, ela foi projetada para que os cargos de grande importância e relevância social para a sociedade brasileira fossem assumidos pelas dinastias de povos estrangeiros ou de famílias brasileiras que continuam com a prática do nepotismo e aristocracia.

     Além disso, a carreira de advocacia vem sofrendo com a precarização e exploração que o sistema capitalista vem impondo nos últimos tempos. Além da carreira profissional ou do trabalho, o ensino vem sendo sucateado no setor privado. Cabe destacar que o Brasil é o país com a maior quantidade de cursos jurídicos do mundo.

     Agora, quero fazer uma ressalva com base nos relatos que vivencio e troco com colegas de diversas áreas (cursos) das universidades públicas. O ensino de alguns cursos, como o de direito, sofre com um problema de solidariedade, empatia e falta de noção da realidade pelo corpo docente. Eu sei que, infelizmente, a nossa forma de aprendizagem está muito centrada ainda no modelo positivista, onde o professor fica na frente, as cadeiras enfileiradas e os alunos apenas escutam e concordam.

     O que ocorre é que, dentro das salas de aula, onde deveria ser um espaço de trocas, pois ao mesmo tempo que o professor ensina ele também aprende, conforme Paulo Freire fala no seu livro "Professora, sim; tia, não – Cartas a quem ousa ensinar", em muitos locais torna-se um espaço de opressão, traumatização e medo. O corpo docente jurídico, tanto de faculdades públicas quanto privadas, têm uma disputa de ego no sentido de ser o senhor e detentor do conhecimento, com os alunos e ficam brigando entre quem sabe mais.

     Fico me perguntando ainda o que dá a capacidade ao ser humano de ensinar ao outro se ele não tem preparo nenhum para lecionar e não compreende nada do que realmente é educação. Sou bem crítico da situação em que, no Brasil, a pessoa com mestrado, especialização ou doutorado está plenamente capacitada para exercer a docência. Claro, há exceções de professores que compreendem essa realidade, mas estou aqui escrevendo de forma geral, não vamos generalizar. 

     Dar aula não é simplesmente chegar em um local e apenas falar, mas é se preparar, organizar e executar a aula do jeito que estava programada. É ter um começo, meio e fim. E, para além disso, precisa-se fazer uma leitura dos corpos que estão ali. O mundo acadêmico tende a ser muito cruel com os discentes que tiveram um ensino básico afetado. 

     A academia tende a igualar a forma de interpretar e a compreensão dos alunos de forma igual, porém sabemos que, em determinados cursos, a trajetória de vida dos alunos é de formas distintas. Por mais que, no curso de Direito, nas universidades públicas, ainda se tenha uma composição majoritária de alunos que têm a mesma classe social e estrutura de ensino semelhantes, ainda tem aquela minoria que se faz presente, por mais que ela seja “excluída ou ocultada”. Ela está ocupando aquele espaço e não se pode fingir que ela não existe.

     Acho que por hoje foi isso e acredito que, em breve, haverá mais outro desabafo. Expresso o que estou sentindo no momento e gosto de compartilhar. Quero destacar que não escrevo para agradar alguém, pois não sou Jesus nem outra entidade religiosa para agradar alguém.



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