15 junho, 2025

Entre ser e não ser: Homem com H

 Caro leitor(a),

      Faz bastante tempo que não escrevo, devido à correria e ao cansaço que venho sentindo ultimamente.No relato de hoje, apresento minhas reflexões sobre o filme Homem com H, que retrata a história do artista Ney Matogrosso, interpretado pelo ator Jesuíta Barbosa. Ontem (14/06), tive a oportunidade de assistir a esse incrível filme. Ele é tão cativante que não me deu sono, pois todas as cenas são muito atrativas e exigem um olhar atento e interessado na obra produzida.

          Ao iniciar, o filme começa a retratar uma situação da infância do Ney, e de imediato me lembrei muito da minha e de tudo que eu passei. O que veio à minha cabeça foram as aulas e as discussões sobre a violência nos espaços em que passamos. A primeira violência que um corpo ou pessoa dissidente sofre é no espaço familiar, seja ela violência física ou emocional. Isso foi o que me ocorreu durante minha infância e adolescência: crescer em um ambiente de olhares e escutas sobre ser gay ou não, sobre se comportar ou agir como "mulher", sobre os interesses por coisas femininas em vez de coisas masculinas. Os espaços começam a nos moldar, a nos controlar, a nos limitar, já dizia Foucault no livro Vigiar e Punir. É lamentável demais saber que essas violências começam, primeiramente, no espaço que deveria ser de acolhimento e segurança, mas que também é marcado por pessoas que deveriam nos proteger e acolher. O pior de tudo é que eu só tomei conhecimento sobre o que me ocorreu quando cheguei à universidade e comecei a refletir, voltando ao meu passado, passado esse que me recuso a relembrar. 

          São tantos momentos traumatizantes e tristes que acabam nos moldando durante a nossa trajetória de vida. Como pode um ser tão inofensivo e com tão poucos anos de vida ser tão desprezado ou violentado assim? O filme me fez pensar sobre isso. O pai do Ney é tão semelhante ao meu; o que eu via na tela, naquela cena, era como se fosse um flashback da minha vida passando naquele momento. O pai do Ney passou muitos anos da vida dele nesse papel de opressor. Tanto que Ney diz que nunca respeitou o pai, mas sim que tinha medo dele, e, no meu caso, a frase se aplica da seguinte forma: eu respeitava não por amar ou gostar dele, mas por ter medo. Por incrível que pareça, o meu medo era de que ele, em algum momento, me matasse. Ideias de uma criança com imaginação e pensamentos muito férteis naquela época.

          A gente que cresce sendo gay e não é aceito devido ao preconceito acaba se moldando ao espaço e sendo extremamente controlado por ele. Deixamos de ter interesse em certas coisas, de vivenciar determinadas experiências, de ser nós mesmos para tentar agradar os outros. Tudo para evitar punições ou sofrimentos. Acabamos abrindo mão dos nossos sonhos em prol de outras pessoas. O quanto isso é violento para uma criança.

          Ao longo do filme, é demonstrado como o pai de Ney, o tempo todo, reforçava o que seriam comportamentos e ações de “homem”. O meu pai não usava palavras, mas o silêncio e os olhares já eram suficientes. Fico me perguntando o que é pior: o silêncio ou as palavras? Ainda não tenho um consenso sobre isso.

          Além disso, uma das cenas mostra Ney falando sobre ser homem ou mulher e sobre sua orientação sexual. Isso me fez refletir sobre como crescemos ouvindo e sendo questionados o tempo todo a respeito disso. Parece que essas questões dizem mais sobre nós do que outras características muito mais importantes. As pessoas estão muito mais preocupadas em saber se você é gay ou não, se é ativo ou passivo ou qualquer outra coisa semelhante. É extremamente cansativo estar sempre ouvindo e sendo questionado sobre isso. O pior é quando você mesmo ainda não sabe exatamente quem é, e tantas perguntas ao mesmo tempo, vindas de amigos, familiares e da sociedade como um todo, tornam tudo ainda mais confuso. Estou cansado de passar por esse processo, porque, por incrível que pareça, nem eu sei exatamente o que realmente gosto ou tenho interesse.

          Outra questão a ser abordada é a nossa imagem e a escolha profissional. O filme me fez refletir sobre como nossa aparência influencia nisso e sobre o controle do corpo — no sentido de que, para seguir determinada profissão, é preciso agir, vestir-se e comportar-se de uma forma específica.Seguimos padrões e comportamentos previamente estabelecidos e, nessa reprodução, acabamos deixando de lado e perdendo nossa autenticidade, sacrificando quem realmente somos em prol de algo ou alguém. Esses padrões funcionam como mecanismos de controle dos corpos dissidentes, sempre ditando o que devemos vestir, o que podemos ou não falar, como devemos nos comportar, tudo isso em uma tentativa de obter aprovação dos outros.

          Abdicamos da nossa vida, dos nossos sonhos, das nossas vivências e, assim, perdemos nossa essência na busca inalcançável pela aceitação da sociedade. Ney foi uma figura grandiosa e crucial no contexto da ditadura militar. Ele quebrou estigmas e desafiou protocolos que lhe foram impostos antes mesmo de nascer. Rebolar diante das câmeras e usar maquiagem naquele período foi algo profundamente sensacional.

          Para finalizar este texto, quero destacar a importância de Ney ao retratar a vida na velhice sendo uma pessoa dissidente. Nos anos 1980, a epidemia do HIV no Brasil devastou grande parte da população LGBT+, e, hoje, temos poucas referências de relacionamentos gays de pessoas mais velhas em que possamos nos inspirar. Vivemos em um mundo moderno, onde a liquidez esvazia tudo, e os relacionamentos não são tão duradouros, tendo início e fim definidos. Termino de escrever este texto após muita reflexão. Recomendo fortemente que todos assistam ao filme e ressalto a importância da cultura para todos nós


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